sábado, 3 de setembro de 2011

Assombrações.



Existem uns amores que já morreram há muito tempo mas de vez em quando aparecem, como uma assombração. Não, não falo de assombrações que voltam para seduzir, como a moça-fantasma de Belo Horizonte poetizada por Carlos Drummond de Andrade; ou voltam para apimentar uma vida que ficou insossa, como o Vadinho de Jorge Amado faz com Dona Flô .Não. Estas, diz o ditado, que sabem para quem devem aparecer, ou seja: só aparecem com ajuda daqueles para quem aparecem. Falo de outras, que fazem uma visita breve, uma aparição, e somem, de improviso, sem arrepiar ninguém.
         Ás vezes esses amores nem se mostram inteiros. Surgem uma boca, um seio, uma pele, um andar, uma risada. Quando se presta atenção, a figura desaparece:  era assombração. O fantasma antigo pode aparecer de repente no meio de uma leitura,  ao escovarmos os dentes... A gente pode estar conversando, discutindo um negócio,um filme, uma jogada, e se intromete aquele olhar.
     Não é saudade, não é nada: é  intromissão. A  figura surge concreta, sensivel, do mesmo modo como vem um gosto de doce de abacaxi ou uma chinelada de mãe. Quem governa fantasma? Ninguém, é ele mesmo quem se convida.
     Não tem nada a ver com aquela coisa de telenovela, aqueles dramas  de  folhetim em que se  comenta: ele ainda gosta dela,não tira essa mulher da cabeça,até hoje é apaixonado por ela etc. Nada disso. É pura farra de assombração, que irrompe de repente na hora propria ou imprópria,independentemente de vontade ou convite. Ora uma,ora outra, faz sua visita-relâmpago, muda ou falante, e some.
          Alguns perdem a viagem, e nos assaltam só com uma sensação,um nome, umas covinhas...Desvaneceram-se no tempo, frágeis como velhas cartas que se esfarelam, como madeira sem lei. Nem por isso menos reais em sua fantasmice, menos carente de sentido que não a própria visita inesperada.
       De maneira nenhuma perturbam o amor em curso,nem é essa a sua intenção, se é que aparições têm algum propósito. O amor em curso é feito de beijo e resposta-e segue intocado por essas intromissões. Também não se pode dizer: são desejos,frustações. Não. Tiveram, no seu tempo, beijo e resposta. Nada ficou por explorar, quando seus corpos eram matéria propícia. Foram generosas no dar, aleges no receber: tiveram fartura. Não vagam por ai á procura, estão satisfeitas no seu canto.
     Nem se pode dizer: são visitas malfazejas. Pelo contrario, são condiais! São borboletas: passam,enfeitam o instante com algumas cores, voejam e partem. Se deixam alguma coisa, é um sorriso na alma do visitado.



 Autor : Ivan Angelo.